Web terá um código penal

11 de julho de 2008 | N° 15659

Crimes na Internet

Começa a surgir no Brasil uma espécie de novo Código Penal, destinado a criminosos que utilizam o teclado do computador como arma.

Aprovado pelo Senado na quarta-feira, um projeto de lei surgido na Câmara, mas alterado e defendido pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG), institui punições a práticas que hoje não são consideradas criminosas, facilitando as ações de hackers, fraudadores e até de pedófilos. Atualmente, autores de invasões de redes, disseminadores de vírus e manipuladores de sites com a intenção de fraudar pessoas ou instituições não podem ser condenados. O texto, no entanto, é cercado de polêmica, pois envolve questões delicadas como sigilo e privacidade de informações dos mais de 40 milhões de internautas existentes no país.

Para Justiça, Ministério Público e polícia, a proposta pode se tornar uma grande arma para coibir ciberpiratas e estelionatários. O diretor da unidade de repressão a crimes cibernéticos da Polícia Federal (PF), delegado Adalto Martins, comemorou a aprovação:

- O Brasil ainda não tem legislação sobre o tema. Prisões feitas pela PF esbarram na questão legal, e criminosos são indiciados só como co-autores porque não há punição prevista.

Uma das munições que o projeto poderá oferecer às autoridades é o arquivamento por três anos dos registros dos usuários por parte dos provedores. Isso deve facilitar as investigações, mas também gera protestos.

- O texto tem problemas, que transmitem imprecisões jurídicas. É um prato cheio para o abuso de poder - observa Thiago Tavares, diretor da SaferNet, organização não-governamental voltada a denunciar crimes cibernéticos.

O advogado Rony Vainzof, sócio de um escritório especializado em processos envolvendo a rede, garante que a proposta não contém menção que possa violar a privacidade dos usuários e busca tipificar condutas criminais.

- O projeto não é perfeito, mas já é um avanço para a sociedade - aponta.

O delegado da PF defende a disponibilização de dados e não considera que isso possa ferir a privacidade.

- Seria o mesmo que pedir a quebra do sigilo telefônico. Na internet, temos de ter o local onde está o computador e os registros dos acessos - sustenta.

O projeto voltará a ser analisado na Câmara dos Deputados, pois sofreu alterações no texto original. Se aprovado, precisará ainda da sanção presidencial para começar a vigorar.

GUSTAVO AZEVEDO
Veja o que o projeto aponta como crime virtuais
Acesso indevido
O que pode virar crime: qualquer invasão de sistemas sigilosos ou protegidos. Atualmente, só passa a ser crime o que o invasor faz com a informação, como o repasse de dados para concorrentes ou o desvio de dinheiro após o acesso a senhas pessoais.
Pena prevista: um a três anos de reclusão
Exemplo: hackers que acessam computadores para adquirir senhas, mas não executam a transferência são qualificados apenas como co-autores, mas não são incriminados pelo acesso indevido.
Transferência de informações protegidas
O que pode virar crime: além do acesso, o repasse dos dados sem permissão.
Pena prevista: um a três anos de reclusão
Exemplo: na operação Cardume, da Polícia Federal, que prendeu 27 pessoas em maio, os hackers que integravam a quadrilha repassavam para os líderes informações pessoais para que eles fizessem transações bancárias e outras fraudes. A ação dos hackers não era considerada crime. O grupo foi enquadrado como co-autor.
Repasse de banco de dados
O que pode virar crime: divulgar e comercializar dados e informações pessoais sem permissão
Pena prevista: um a dois anos de detenção
Exemplo: informações pessoais repassadas a bancos, por exemplo, não podem ser transferidas sem autorização prévia para outras empresas, como operadoras de cartões de crédito.
Danos a dados eletrônicos
O que pode virar crime: alterar, destruir ou deteriorar arquivos e dados informatizados
Pena prevista: um a seis meses de detenção
Exemplo: hackers que entram em sites de empresas e de órgãos governamentais e alteram o conteúdo poderão ser punidos.
Spams maliciosos
O que pode virar crime: emissão e distribuição de spams com conteúdo que provoque prejuízos.
Pena prevista: dois a quatro anos de reclusão
Exemplo: hackers que enviam spams com vírus e que podem danificar computadores poderão ser agora enquadrados em crime.
Novo estelionatário
O que pode virar crime: a difusão de spams especificamente com a intenção de facilitar o acesso a senhas e informações protegidas
Pena prevista: um a cinco anos de reclusão
Exemplo: na operação Cardume, o grupo contratava pessoas somente para repassar os spams contendo os vírus que permitiam o acesso às informações dos computadores das vítimas. Atualmente, o ato de enviar não é crime.
Pedofilia
O que poder virar crime: receptar e armazenar conteúdo pedófilo
Pena prevista: um a quatro anos de reclusão
Exemplo: pessoas que compram e guardam fotos de crianças e adolescentes em situações de pedofilia até hoje não podem ser incriminadas. O projeto pretende enquadrar esses usuários também.
O que muda: as empresas precisam manter os registros eletrônicos pelo prazo de até três anos para possibilitar a investigação de crimes. Os dados só serão repassados mediante solicitação legal. Esses registros são a identificação do endereço do IP (código específico de cada computador)
Pena prevista: em caso de descumprimento, as empresas estarão sujeitas a multas que podem variar de R$ 2 mil a R$ 100 mil.
Para aprender e ensinar a seu pai
Quando você acessa um site ou o e-mail, cuide-se para não ser vítima de piratas da internet e siga essas regras:
- Bancos e a Receita Federal nunca se comunicam com as pessoas por e-mail. Quando chegar uma mensagem de um banco ou do governo, não responda, nem entre em link que venha com ela.
- Quando um e-mail vier com um arquivo que termina em .exe, não abra. Pode trazer vírus para o micro.
- Não repasse um e-mail a todas as pessoas da sua lista de contatos. Nem todos estão interessados naquela piada ou em fotos engraçadas, e muita gente não tem tempo de abrir essas mensagens no trabalho.
- Para acessar sua conta no banco pela internet, use só o computador de casa. Se você usar um micro que é utilizado por todo mundo, como em uma lan house, alguém pode ter colocado um espião lá dentro para roubar sua senha.
Tire suas dúvidas
Os dados que os provedores terão de oferecer às autoridades invadem a privacidade dos usuários?
Não. Os provedores repassam somente os registros eletrônicos, endereço de IP (código específico de cada computador), data e hora dos acessos. O juiz pode pedir o conteúdo da navegação, mas essas informações não precisam ser arquivadas por três anos, como estimado no projeto de lei. Os dados só serão repassados mediante ordem judicial para fins de investigação criminal.
Se mandar foto com nudez para um grupo, posso ser punido?
Não. Somente se as imagens enviadas contenham conteúdo pedófilo. Neste caso, os receptores também poderão sofrer punição.
Se eu tiver um perfil falso no Orkut posso incorrer no crime de falsificação de dados particulares?
A pessoa pode criar um perfil imaginário, mas não pode usar o nome de outra pessoa. Isso é crime previsto no código penal, de falsa identidade.
Se meu e-mail espalhar um vírus sem que eu saiba, como vou provar que eu não agi de má-fé?
Não é você que tem de provar que agiu de má-fé. O Ministério Público é quem precisa comprovar a intenção, o que é quase impossível, mas você pode ter de se explicar. Para evitar esse tipo de problema, os especialistas sugerem a instalação de antivírus e sistemas de defesa nos computadores.
Se meu banco divulgar meus dados sem minha autorização para uma empresa de cartão de crédito encher minha caixa postal de correspondência, posso processá-lo?
Qualquer tipo de utilização indevida de dados pessoais, sem permissão, poderá incorrer em crime se o projeto for aprovado.
Descobri que houve um desfalque na minha conta, e isso ocorreu porque os infratores descobriram minha senha em um acesso meu. A lei prevê mais facilidade para assegurar a devolução?
Não. A fraude ocorreu contra a vítima e não contra o banco, que não tem responsabilidade. A pessoa é que permitiu o acesso, porque não protegeu corretamente o computador com antivírus e sistemas de defesa. O infrator que adquiriu de forma irregular a senha será enquadrado em crime, caso a proposta seja aprovada. A devolução do dinheiro dependerá da ação da polícia e de decisão judicial.
A nova lei não cria, mesmo, nenhuma nova tarefa para o usuário, como promete o senador Eduardo Azeredo?
Para o usuário comum (pessoa física), nada mudará. Só poderá haver mudanças para empresas e provedores. Para comprovar o crime de acesso indevido, a empresa terá de criar um regulamento de segurança, prevendo os conteúdos com restrição de acesso. Assim, estará protegida, e o infrator poderá ser indiciado.

Fonte: ZERO HORA

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