“No Brasil, precisa-se de lei que confirme lei”

DIREITO

Entrevista: Miguel Reale Júnior, advogado

Recheada de juristas de expressão nacional, a 5ª Conferência Estadual dos Advogados, que se encerra hoje na Capital, virou trincheira de uma batalha que vem sendo travada pela categoria contra o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal (PF).

Uma das estrelas do encontro é o paulista Miguel Reale Júnior, 64 anos, professor universitário, ex-ministro da Justiça, em 2002. Reale Júnior reclama de desrespeito à legislação penal e da falta de limites entre algumas autoridades.

Em uma entrevista concedida por telefone a Zero Hora, ele fala sobre o uso de algemas, varreduras em escritórios de advocacia e interceptações de telefonemas:

Zero Hora – A decisão do STF em definir regras para o uso de algemas é bem-vinda?

Miguel Reale Júnior – Isso já está na lei. O Código de Processo Penal, de 1941, estabelece que o uso da força só se justifica em caso de necessidade. E o uso de algema é, sem dúvida, o uso da força.

ZH – Mas por que o STF teve de intervir?

Reale Júnior – É porque não se cumpre lei neste país. Havia, por exemplo, uma lei que proibia a contratação de parentes no Judiciário. A própria Constituição estabelecia. Foi necessário que o Conselho Nacional de Justiça baixasse uma portaria para que viesse a ser cumprida. No Brasil, precisa-se de lei que confirme lei.

ZH – E sobre a nova lei que torna invioláveis escritórios de advocacia?

Reale Júnior – Também não mudou nada. Se o advogado é autor de crime ou está escondendo vestígios de um crime no escritório, o local pode ser alvo de busca e apreensão. Mas, do contrário, não pode ser vasculhado pela polícia ou pelo Ministério Público. A sociedade vai estar insegura se os advogados não puderem mais ter segredos na relação com seus clientes.

ZH – Associações de magistrados e de procuradores queriam que o projeto fosse vetado pelo governo...

Reale Júnior – É uma nova geração que está assumindo um papel de justiceiro, de paixão totalitária para querer controlar o país. E não percebe que, com isso, prejudica a democracia.

ZH – É uma declaração polêmica.

Reale Júnior – Ué, mas eles não vieram dizendo que escritórios de advocacia se transformariam em covil de bandidos, por meio das suas associações? E os advogados não podem reclamar disso e mostrar que eles estão enganados, que estão tendo uma atitude antidemocrática?

ZH– Esse debate foi desencadeado pela prisão do Daniel Dantas e outros envolvidos na Operação Satiagraha da PF.

Reale Júnior – Há muito tempo que se fala contra a algema. Há muito tempo que se fala contra a invasão de escritórios de advocacia, contra a violação de comunicação interna de advogados.

ZH – O Daniel Dantas não deveria ser algemado?

Reale Júnior – Nem ele nem o Zé da Silva, que é preso, mas não apresenta riscos de violência ou resistência.

ZH – Mas isso ocorre todos os dias no Brasil, com pessoas comuns?

Reale Júnior – Sempre me manifestei contra o uso de algemas. E a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também. Tem artigos e mais artigos em jornais contra as algemas.

ZH – E o projeto que prevê nova regra para escutas telefônicas?

Reale Júnior – Tem de haver limites. Existem 2 milhões de telefones sendo monitorados no país. Muitas vezes é o único meio de investigação, e a polícia faz interpretações livre de palavras fora de contexto.

ZH– A Polícia Federal extrapola em suas atividades?

Reale Júnior– Muitas vezes. E quando a polícia vira poder, entra em um caminho muito perigoso.

ZH – Quais os limites da investigação?

Reale Júnior – É a lei, o processo, a Constituição, o respeito aos direitos do acusado. Algemas – O STF aprovou súmula que restringe o uso de algemas aos casos de resistência, risco de fuga ou perigo à integridade física do preso ao policial ou de terceiros. Caso necessária a algema, o agente terá de justificar por escrito. Na PF, o padrão era algemar todos os presos Escritórios – Em 7 de agosto, como presidente em exercício, José Alencar sancionou uma lei, tornando invioláveis escritório, correspondência escrita, eletrônica e telefônica, desde que relativas ao exercício da advocacia. Na prática, a lei torna explícito algo que já no Estatuto do Advogado

JOSÉ LUÍS COSTA
Fonte: ZERO HORA

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