Cabe ao juízo singular julgar crime de trânsito sem dolo eventual
DECISÃO
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu habeas corpus em favor de acusado de cometer homicídio doloso por atropelar, à direção de um veículo, um ciclista após manobra brusca realizada por causa de uma derivação inesperada feita por outro carro. A Turma entendeu não ter ficado provado que o acusado, que, segundo a denúncia, estaria praticando um “racha”, desejasse o resultado morte ou anuísse a ele.
A denúncia afirma que o acusado estava em alta velocidade, emparelhado com outro veículo com o qual estaria apostando corrida. Em determinado momento, defrontou-se com um ônibus, derivando seu veículo para a direita, razão pela qual invadiu um acostamento e colidiu contra uma bicicleta que trafegava no local. O ciclista atropelado foi jogado para o alto e caiu sobre o teto e o para-brisa do veículo.
Interrogado em juízo, o acusado declarou que um veículo pedia insistentemente passagem, acionando os faróis, mesmo com o trânsito fluindo de forma lenta. Quando lhe foi possível, abriu para a direita, atendendo ao pedido de passagem. Ao começar a ultrapassagem, o outro veículo deslocou-se para a direita, por conta do tráfico intenso, interceptando a passagem do veículo conduzido pelo denunciado. Para evitar o acidente, afirmou manobrar para a direita de forma que as duas rodas do seu carro invadissem o acostamento, o que ocasionou a colisão.
A acusação não mencionou a velocidade imprimida pelo acusado porque o inquérito policial não produziu a prova técnica dinâmica do acidente. Segundo o relator, desembargador convocado Celso Limongi, a ausência dessa prova enfraquece o conjunto probatório, limitado assim à prova testemunhal. Foram ouvidas testemunhas isentas e insuspeitas, não ligadas à vítima nem ao acusado, que declaram que o denunciado dirigia seu veículo a 60km/h, velocidade em que o trânsito fluía.
Segundo o relator, as declarações das testemunhas comprovam a versão apresentada pelo acusado de que sofrera uma fechada de outro veículo e, por isso, teria invadido o acostamento. As poucas referências a um possível “racha” ficaram por conta de um bombeiro que estava no interior de um ônibus e com a visão dinâmica do ocorrido comprometida.
Por maioria, a Sexta Turma acolheu o pedido da defesa, seguindo as considerações do relator Celso Limongi. Ele destacou que as declarações apresentadas pelas testemunhas se ajustam à versão do acusado quando interrogado, o que permite concluir que o homicídio doloso, mesmo na forma de dolo eventual apresentada pela denúncia, não conta com um mínimo de prova. Ressaltou, ainda, que ficou comprovado o fato de o outro automóvel ter interceptado inesperadamente a trajetória do automóvel conduzido pelo acusado, obrigando-o a realizar manobra brusca, o que afasta o dolo eventual – quando o agente, embora não desejasse o resultado, assume o risco de produzi-lo.
O relator afirmou que a questão é apenas de competência. Havendo suficientes indícios de que o réu praticou crime doloso contra a vida, a competência para julgamento é do Tribunal do Júri. Não havendo, descabe a pronúncia, e o julgamento fica afeto ao juízo singular. Assim, a ordem foi concedida para afastar a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) segundo a qual a competência seria do Júri Popular e restaurou-se a decisão de primeiro grau, para que a competência para julgar o caso seja do juízo singular.
Fonte: STJ
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