Informativo nº. 772 do STF

REPERCUSSÃO GERAL
Inquéritos e ações penais em andamento e maus antecedentes - 4

Inquéritos policiais ou ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão de julgamento e por maioria, desproveu recurso extraordinário — v. Informativo 749. O Colegiado explicou que a jurisprudência da Corte sobre o tema estaria em evolução, e a tendência atual seria no sentido de que a cláusula constitucional da não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) não poderia ser afastada. Haveria semelhante movimento por parte da doutrina, a concluir que, sob o império da nova ordem constitucional, somente poderiam ser valoradas como maus antecedentes as decisões condenatórias irrecorríveis. Assim, não poderiam ser considerados para esse fim quaisquer outras investigações ou processos criminais em andamento, mesmo em fase recursal. Esse ponto de vista estaria em consonância com a moderna jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Ademais, haveria recomendação por parte do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, no sentido de que o Poder Público deveria abster-se de prejulgar o acusado. Colacionou, também, o Enunciado 444 da Súmula do STJ (“É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”). O lançamento, no mundo jurídico, de enfoque ainda não definitivo e, portanto, sujeito a condição resolutiva, potencializaria a atuação da polícia judiciária, bem como a precariedade de certos pronunciamentos judiciais. Nesse sentido, uma vez admitido pelo sistema penal brasileiro o conhecimento do conteúdo da folha penal como fator a se ter em conta na fixação da pena, a presunção deveria militar em favor do acusado. O arcabouço normativo não poderia ser interpretado a ponto de gerar perplexidade.
RE 591054/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 17.12.2014. (RE-591054)


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Inquéritos e ações penais em andamento e maus antecedentes - 5

O Plenário asseverou que o transcurso do quinquênio previsto no art. 64, I, do CP não seria óbice ao acionamento do art. 59 do mesmo diploma. Por outro lado, conflitaria com a ordem jurídica considerar, para a majoração da pena-base, processos que tivessem resultado na aceitação de proposta de transação penal (Lei 9.099/1995, art. 76, § 6º); na concessão de remissão em procedimento judicial para apuração de ato infracional previsto no ECA, com aplicação de medida de caráter reeducacional; na extinção da punibilidade, entre outros, excetuados os resultantes em indulto individual, coletivo ou comutação de pena. Por fim, as condenações por fatos posteriores ao apurado, com trânsito em julgado, não seriam aptas a desabonar, na primeira fase da dosimetria, os antecedentes para efeito de exacerbação da pena-base. No ponto, a incidência penal só serviria para agravar a medida da pena quando ocorrida antes do cometimento do delito, independentemente de a decisão alusiva à prática haver transitado em julgado em momento prévio. Deveria ser considerado o quadro existente na data da prática delituosa. O Ministro Teori Zavascki, ao aditar seu voto, ressalvou que as ações penais que já contivessem sentença condenatória, ainda que não definitiva, não deveriam receber o mesmo tratamento dos inquéritos ou das ações penais pendentes de sentença para fins de maus antecedentes. Assim, processos em andamento não poderiam ser considerados como maus antecedentes, a não ser que se cuidasse de ação penal em que houvesse sentença condenatória proferida. Entretanto, no caso concreto, em nenhum dos processos envolvidos já existiria sentença, de modo que manteve a conclusão proferida anteriormente. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente), Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que proviam o recurso.
RE 591054/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 17.12.2014. (RE-591054)



PRIMEIRA TURMA


Quebra de sigilo bancário e unilateralidade em inquérito policial - 2

Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma resolveu questão de ordem, suscitada pelo Ministro Marco Aurélio (relator), e determinou o arquivamento de inquérito policial, bem assim julgou prejudicado agravo regimental em que discutida a legalidade de pedido de quebra de sigilo bancário para fins de investigação criminal. No caso, o “Parquet” requerera, além da quebra de sigilo, o encaminhamento direto dos dados colhidos ao Ministério Público, bem como a autorização para que o órgão atuasse diretamente junto às instituições bancárias, sem necessidade de intervenção judicial, com o intuito de obter documentos de suporte das transações financeiras realizadas no período — v. Informativo 764. Tratava-se de investigação instaurada para apurar o envolvimento de parlamentar com o desvio de verbas públicas, com a suposta participação de agentes públicos e empresários. O Colegiado registrou que a investigação estaria assentada nos elementos colhidos na denominada “Operação Solidária” (Inq 3.305/RS, DJe de 2.10.2014), os quais teriam sido declarados imprestáveis pelo STF para serem utilizados contra o investigado, tendo em conta violação das regras de prerrogativa de foro. Assim, se os dados seriam ilícitos, não poderiam servir de base para nenhuma persecução, independentemente dos fatos que se pretendesse apurar.
Inq 3552 QO/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 16.12.2014. (Inq-3552)



Irregularidades em prestação de contas e configuração típica - 1

A 1ª Turma, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação penal para absolver os réus, com fulcro no art. 386, III, do CPP. No caso, eles foram denunciados pela suposta prática do crime do art. 3º da Lei 7.134/1983 [“Art. 1º - Todo crédito ou financiamento concedido por órgãos da administração pública, direta ou indireta, ou recurso proveniente de incentivo fiscal terá que ser aplicado exclusivamente no projeto para o qual foi liberado. Art. 2º - Os infratores ficam sujeitos às seguintes penalidades: I - não se beneficiarão de nenhum outro empréstimo de organismo oficial de crédito e nem poderão utilizar recursos de incentivos fiscais, por um período de 10 (dez) anos; II - terão que saldar todos os débitos, vencidos e vincendos, relativos ao crédito ou financiamento cuja aplicação foi desviada, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da constatação da irregularidade. Parágrafo único - As penalidades constantes deste artigo somente serão aplicadas mediante processo regular, assegurada ao acusado ampla defesa. Art. 3º - Além das sanções previstas no artigo anterior, os responsáveis pela infração dos dispositivos desta Lei ficam sujeitos às penas previstas no art. 171 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal Brasileiro.”], combinado com o art. 171, § 3º, do CP, em razão da existência de irregularidades em prestação de contas por parte de fundação de direito privado municipal, tendo em conta a disponibilização de recursos a essa entidade pelo governo federal. Um dos denunciados, deputado federal, era prefeito da municipalidade à época dos fatos. Preliminarmente, a Turma, por decisão majoritária, assentou a competência do STF para julgar a ação. No ponto, afirmou que, embora apenas um dos denunciados ostentasse foro por prerrogativa de função — o que, em regra, exigiria o desmembramento do feito em relação aos demais —, a depender das peculiaridades do caso, a Corte seria competente para enfrentar a demanda em relação aos corréus não detentores de prerrogativa de foro, inclusive, presentes a continência e a conexão. O Ministro Roberto Barroso apontou que não se deveria desmembrar o feito, no particular, tendo em conta o princípio da economia processual. Vencido, quanto à preliminar, o Ministro Marco Aurélio. Entendia que a competência, no tocante aos réus não detentores de prerrogativa de foro perante o STF, deveria ser declinada para o juízo de 1º grau.
AP 347/CE, rel. Min. Rosa Weber, 16.12.2014. (AP-347)

Irregularidades em prestação de contas e configuração típica - 2

No mérito, o Colegiado registrou que a denúncia não imputara aos acusados a apropriação privada dos recursos públicos disponibilizados, o que configuraria peculato ou apropriação indébita. A peça acusatória simplesmente reproduzira conclusões de relatório de diligência policial, por meio do qual foram identificadas irregularidades em prestação de contas apresentadas pela fundação quanto ao emprego da subvenção social recebida do então Ministério da Ação Social. Apesar das irregularidades, a denúncia não concluíra pela apropriação privada das verbas, mas apenas que não teriam sido aplicadas exclusivamente no projeto para o qual liberadas. Assim, de acordo com a tipificação realizada pelo acusador, o crime em questão configuraria espécie anômala de estelionato. Entretanto, essa equiparação seria problemática, considerada a diversidade das condutas em questão. Além disso, a “subvenção social” recebida no caso não se qualificaria como “crédito ou financiamento” ou “recurso proveniente de incentivo fiscal”. Desse modo, não haveria como enquadrar o fato na Lei 7.134/1983, sequer no art. 20 da Lei 7.492/1986 ou no art. 2º, IV, da Lei 8.137/1990, que revogaram parcialmente a Lei 7.134/1983. Não estaria configurado, de igual modo, o estelionato, que exige o locupletamento pessoal ou em favor de outrem. Todavia, o melhor enquadramento da conduta narrada na denúncia seria, talvez, o art. 315 do CP. Tratar-se-ia, entretanto, de crime próprio de funcionário público, e a acusação não demonstrara a eventual possibilidade de amoldar os dirigentes da entidade de assistência social no aludido dispositivo. De todo modo, ainda que fosse possível essa tipificação, o crime estaria prescrito. A Turma destacou que poderia, eventualmente, haver crimes de falsidade, uma vez que a prestação de contas feita pela fundação conteria documentos falsos. Entretanto, essas condutas não constituiriam objeto da imputação. Assim, o fato narrado seria atípico. Poderia haver configuração típica, mas seria preciso demonstrar que houvera apropriação indevida e privada dos recursos, por meio de rastreamento dos valores, ou mesmo o esclarecimento do projeto para o qual liberados recursos para a fundação. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava o pedido procedente haja vista a configuração do crime de estelionato.
AP 347/CE, rel. Min. Rosa Weber, 16.12.2014. (AP-347)



Porte de drogas para consumo próprio e medida socioeducativa de internação - 1

É incabível a imposição da medida socioeducativa de internação ao adolescente que pratique ato infracional equiparado ao porte de drogas para consumo próprio, tipificado no art. 28 da Lei 11.343/2006. Com base nessa orientação, a 2ª Turma não conheceu de pedido formulado em “habeas corpus”, mas concedeu, de ofício, a ordem para invalidar a imposição da medida socioeducativa de internação aplicada ao ora paciente, sem prejuízo da aplicação de qualquer outra das medidas previstas no artigo 112 do ECA, contanto que não resultasse, em qualquer dessas outras hipóteses, privação, ainda que parcial, de sua liberdade de locomoção física. O Colegiado destacou, inicialmente, que a criança e o adolescente receberiam especial amparo, que lhes seria dispensado pela própria Constituição, cujo texto consagraria, como diretriz fundamental e vetor condicionante da atuação da família, da sociedade e do Estado, o princípio da proteção integral (CF, art. 227). Nesse contexto, as medidas socioeducativas orientar-se-iam, nos casos de atos infracionais cometidos por adolescente, no sentido de neutralizar a situação de perigo ou de risco em que esse se encontrasse, quando, por ação ou omissão, se colocasse em estado de conflito com o ordenamento positivo. Buscar-se-ia, sempre, não obstante o caráter excepcional daquelas medidas, a adoção de providências que, respeitado o estágio de desenvolvimento e a capacidade de compreensão do menor inimputável, viabilizassem sua reintegração ao convívio social e, notadamente, à vida familiar. O sistema de direito positivo, ao dispor sobre o menor adolescente em situação de conflito com a lei, objetivaria implementar programas e planos de atendimento socioeducativo mediante ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, capacitação para o trabalho, cultura e esporte, isso no sentido de conferir efetividade e dar concreção aos fins a que se destinariam as medidas socioeducativas, cuja função estaria definida no art. 1º, § 2º, da Lei 12.594/2012. Outrossim, o alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se revestiria o direito à proteção da criança e do adolescente — ainda mais se considerado em face do dever que incumbiria, ao Poder Público, de torná-lo real, mediante concreta efetivação da garantia de assistência integral à criança e ao adolescente — não poderiam ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que teria, no aparelho estatal, um de seus precípuos destinatários.
HC 124682/SP, rel. Min. Celso de Mello, 16.12.2014. (HC-124682)

Porte de drogas para consumo próprio e medida socioeducativa de internação - 2

A Turma ressaltou, por outro lado, que o art. 28 da Lei 11.343/2006 — que pune a posse de drogas para consumo próprio — não autorizaria sequer a privação da liberdade do autor desse ilícito penal, ainda que cometido por pessoa plenamente imputável. O citado dispositivo da Lei de Drogas somente cominaria, para esse delito, penas meramente restritivas de direitos. Portanto, revelar-se-ia contrário ao sistema jurídico, por subverter o princípio da proteção integral do menor inimputável, impor ao adolescente — que eventualmente praticasse ato infracional consistente em possuir drogas para consumo próprio — a medida extraordinária de internação, pois, como verificado, nem mesmo a pessoa maior de 18 anos de idade, imputável, poderia sofrer a privação da liberdade por efeito de transgressão ao referido art. 28 da Lei 11.343/2006.
HC 124682/SP, rel. Min. Celso de Mello, 16.12.2014. (HC-124682)



Busca e apreensão e autorização judicial - 3

Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” para determinar a imediata devolução de material apreendido em procedimento de busca e apreensão realizado no bojo de persecução penal — v. Informativo 771. Na espécie, em cumprimento a mandado de busca e apreensão que teria como alvo o endereço profissional do paciente, localizado no 28º andar de determinado edifício, teriam sido apreendidos equipamentos de informática no endereço de instituição financeira localizada no 3º andar do mesmo edifício, porém, sem que houvesse mandado judicial para esse endereço. O Colegiado, inicialmente, reconheceu a legitimidade do “habeas corpus” para aferir procedimentos de feição penal ou processual penal, inclusive para o reconhecimento de eventual ilicitude de provas obtidas em inquérito policial. Quanto ao mérito, destacou que a busca e apreensão de documentos e objetos realizados por autoridade pública no domicílio de alguém, sem autorização judicial fundamentada, revelar-se-ia ilegítima, e o material eventualmente apreendido configuraria prova ilicitamente obtida. Assim, não seria procedente o argumento de que o mandado de busca e apreensão não precisaria indicar endereço determinado. A legislação processual determinaria que os mandados judiciais de busca e apreensão — notadamente de busca e apreensão domiciliar — não poderiam revestir-se de conteúdo genérico, nem poderiam mostrar-se omissos quanto à indicação, o mais precisamente possível, do local objeto dessa medida extraordinária, em conformidade com o art. 243 do CPP.
HC 106566/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 16.12.2014. (HC-106566)


Fonte: STF.

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