Transação penal não impede questionamento sobre legitimidade da persecução criminal, decide 2ª Turma

Em julgamento realizado na sessão desta terça-feira (17), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a aceitação do acordo de transação penal não impede o exame de habeas corpus para questionar a legitimidade da persecução penal. Com base no entendimento, a Turma determinou ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) que julgue o habeas corpus impetrado por um dentista de Brasília denunciado pelo crime de lesão corporal culposa em razão de um cirurgia e que aceitou a proposta de transação penal ofertada pelo Ministério Público. A decisão foi tomada no Habeas Corpus (HC) 176785, de relatoria do ministro Gilmar Mendes.
A.R.R. foi acusado pela prática do crime, previsto no artigo 129, parágrafo 6º, do Código Penal. Com o recebimento da denúncia, a defesa ajuizou habeas corpus no TJDFT e, na sequência, o Ministério Público ofereceu a transação penal (espécie de acordo em que o acusado aceita cumprir determinações e condições propostas pelo promotor em troca do arquivamento do processo), que foi aceita. Diante disso, o TJDFT rejeitou (julgou prejudicado) o exame do habeas corpus. Para a defesa, contudo, o habeas deveria ser julgado para que fossem analisados os argumentos de inépcia da denúncia, atipicidade da conduta e ausência de justa causa para ação penal, mesmo tendo havido a transação penal.
Argumentos
No julgamento, a defesa do dentista argumentou que deveria ser aplicado o mesmo entendimento dado à hipótese de suspensão condicional do processo, cuja implementação não impede a impetração de habeas para discutir existência de justa causa para a ação penal.
A representante da Procuradoria Geral da República sustentou que, se o profissional quisesse discutir os fatos, poderia não ter aceitado a transação penal e buscar a absolvição em juízo. Mas, a partir do momento em que ela foi aceita, o juiz anulou tudo que se fez, inclusive o recebimento da denúncia. Assim, não haveria como discutir a justa causa se não há mais denúncia nem investigação ou persecução penal.
Riscos
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, embora o sistema negocial possa trazer aprimoramentos positivos em casos de delitos de menor gravidade, a barganha no processo penal pode levar a riscos consideráveis aos direitos fundamentais do acusado. Ao votar pela concessão do habeas corpus, o relator salientou que a imposição de uma pena consentida pelo réu não pode ser realizada pelo Estado sem qualquer controle fático-probatório pelo julgador. Para Mendes, o controle judicial é fundamental para a proteção efetiva dos direitos fundamentais do imputado e para evitar possíveis abusos que comprometam a decisão voluntária de aceitar a transação. Ainda segundo o ministro, não há qualquer disposição em lei que imponha a desistência de recursos ou ações em andamento ou determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça.
Decisão unânime
Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Edson Fachin salientou que as consequências da transação são essencialmente as estipuladas pelo acordo. E, no caso concreto, o acordo não fez nenhuma referência ao habeas corpus impetrado antes da transação, que estava pendente de julgamento. O ministro Ricardo Lewandowski também ressaltou, em seu voto, a circunstância de que o habeas corpus já havia sido impetrado no TJDFT quando houve a proposta de transação penal. “A negociação não retira do imputado o direito de impugnar os pressupostos para a persecução penal”, afirmou. Da mesma forma, a ministra Cármen Lúcia assinalou que as partes não trataram desse ponto no acordo, que não pode gerar uma renúncia genérica.
Fonte: STF.

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