DECISÃO STJ - OS EFEITOS DO HISTÓRICO CRIMINAL NA APLICAÇÃO DAS PENAS DA LEI DE DROGAS:
Tema central
nos debates sobre segurança pública, o tráfico de drogas recebeu, no Brasil,
atenção especial por meio da Lei 11.343/2006, que disciplina a matéria e
descreve as condutas consideradas crime. Além da tipificação penal, entre
muitas outras questões, a lei estabelece os parâmetros para definir a situação
do réu que possua condenação por crimes anteriores.
O assunto dá
margem a uma série de controvérsias. Uma condenação por porte de drogas para
consumo próprio pode ser utilizada para caracterizar reincidência em outros
crimes da Lei de Drogas? A existência de processos em curso basta para afastar
o tráfico privilegiado? Qual a influência dos atos infracionais cometidos pelo
réu na adolescência?
Muitas dessas
dúvidas, relativas aos efeitos que outros processos criminais – anteriores ou
atuais – podem ter sobre a situação do réu denunciado por crimes relacionados à
Lei de Drogas, são decididas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ato
infracional pode ser considerado para afastar a redução da pena
Em outubro de
2021, no julgamento do EREsp 1.916.596, a Terceira Seção estabeleceu, por
maioria, que o histórico de atos infracionais – os quais geram a aplicação de
medidas socioeducativas ao menor de idade –, embora não caracterize
reincidência ou maus antecedentes, pode ser levado em consideração,
excepcionalmente, para afastar a redução de pena prevista no artigo 33,
parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 (tráfico privilegiado).
Para tanto, o
colegiado definiu que é necessária decisão fundamentada que aponte a existência
de circunstâncias reveladoras da gravidade dos atos anteriores e da proximidade
temporal entre essas condutas e o crime em julgamento.
O debate desse
tema foi marcado pela divisão da Terceira Seção entre três posições. Para
alguns ministros, os atos praticados pelo acusado, antes de atingir a
maioridade penal, não poderiam influir negativamente na aplicação da pena pela
prática de crime quando alcançada a maioridade. Para outros, poderiam. Afinal,
prevaleceu a posição intermediária defendida por uma terceira corrente.
No acórdão,
ficou registrado que, embora a medida socioeducativa – de caráter
preponderantemente pedagógico – tenha certa carga punitiva, ela "não
configura pena e, portanto, não induz reincidência nem maus antecedentes".
Desse modo, a existência de ato infracional no histórico do réu, por si só, não
pode caracterizar sua dedicação a atividades delituosas, a ponto de impedir o
reconhecimento do tráfico privilegiado.
Por outro
lado, o colegiado entendeu que é possível haver prova de que o agente venha se
dedicando a atividades ilícitas desde a adolescência, sem interrupção relevante
até os fatos da denúncia. "Em tais circunstâncias excepcionais, a prova da
dedicação às atividades criminosas pode estar lastreada em eventos situados em
momento anterior ao advento da maioridade penal, sem que isso importe em
violação às disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente" – afirmou
o acórdão.
Reincidência
que aumenta pena por posse de drogas para uso próprio é específica
Em dezembro de
2019, a Sexta Turma reviu sua posição e concluiu que o aumento de pena no crime
de posse de drogas para consumo próprio deve ocorrer apenas quando a
reincidência for específica. O colegiado negou provimento ao REsp 1.771.304, no
qual o Ministério Público sustentava que bastaria a reincidência genérica. No
caso, o réu já havia sido condenado pelo crime de roubo.
Para o
relator, ministro Nefi Cordeiro (aposentado), a melhor interpretação a ser dada
ao parágrafo 4º do artigo 28 da Lei 11.343/2006 deve levar em conta que ele se
refere ao caput do dispositivo e, portanto, a reincidência diz respeito à
prática do mesmo crime – posse de drogas para uso pessoal.
Na avaliação
do ministro, não obstante a existência de precedente da Sexta Turma que
considerou a reincidência genérica, uma melhor reflexão sobre o assunto conduz
à conclusão de que a reincidência mencionada no parágrafo 4º do artigo 28 tem
de ser específica, ou seja, relativa ao mesmo crime de posse para consumo
próprio.
Inquéritos ou
processos em curso não descaracterizam o tráfico privilegiado
No julgamento
do HC 664.284, a Quinta Turma unificou a posição dos colegiados de direito
penal do STJ ao decidir que a aplicação da causa de diminuição de pena pelo
tráfico privilegiado, prevista na Lei de Drogas, não pode ser afastada com
fundamento em investigações ou processos criminais em andamento.
O relator,
ministro Ribeiro Dantas, lembrou que o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei
11.343/2006 dispõe que os condenados por tráfico terão a pena reduzida – de um
sexto a dois terços – se forem primários, tiverem bons antecedentes e não se
dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações criminosas.
"Na falta
de parâmetros legais para se fixar o quantum dessa redução, os tribunais
superiores têm decidido que a quantidade e a natureza da droga apreendida, além
das demais circunstâncias do delito, podem servir para a modulação de tal
índice ou até mesmo para impedir a sua aplicação, quando evidenciarem o envolvimento
habitual do agente com o narcotráfico", afirmou.
O magistrado
ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou reiteradas
vezes no sentido de que outros inquéritos e processos em curso não devem ser
considerados em desfavor do réu no cálculo da pena, pois isso violaria o
princípio da não culpabilidade.
Ribeiro Dantas
observou que, a partir dessa posição, o STF "vem decidindo ser
inadmissível a utilização de ação penal em curso para afastar a causa de
diminuição do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas". Ele observou que
a Sexta Turma do STJ já tinha adotado esse entendimento.
Porte para uso
pessoal anterior não caracteriza reincidência no tráfico
Sob a
relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a Quinta Turma, no julgamento
do HC 453.437, unificou o entendimento entre as turmas criminais do STJ ao
definir que o crime anterior de porte para uso pessoal não pode ser considerado
para caracterizar reincidência no tráfico.
O colegiado
compreendeu que, apesar de sua caracterização como crime no artigo 28 da Lei
11.343/2006, o porte de drogas com a finalidade de consumo pessoal tem previsão
de punição apenas com medidas distintas da restrição de liberdade, sem que haja
a possibilidade de conversão dessas medidas para prisão em caso de
descumprimento.
Processo único
de porte para consumo não é considerado para reincidência
A Sexta Turma,
no julgamento do HC 390.038, afastou a reincidência relacionada a um único
processo anterior em desfavor do réu, no qual – após desclassificar o delito de
tráfico para porte de substância entorpecente para consumo próprio – o juízo
extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria
mais que suficiente para compensar eventual condenação.
No caso em
análise, as instâncias ordinárias deixaram de reconhecer a incidência da causa
especial de diminuição do tráfico privilegiado, porque concluíram que a
extinção da punibilidade, na hipótese, se assemelhou à extinção do processo
executivo pelo cumprimento da pena e, em consequência, seria apta a gerar a
reincidência. No entanto, para o relator do habeas corpus, ministro Rogerio
Schietti Cruz, essa compreensão não foi a mais adequada.
Ao examinar a
única ação penal que constava na vida pregressa do paciente, e que foi
utilizada para a constatação da reincidência, o ministro observou que, no
momento da sentença, o juiz desclassificou a imputação pelo crime de tráfico –
processo a que o paciente respondia em prisão cautelar – para a conduta de porte
para consumo próprio. Dessa forma, o juízo de primeiro grau considerou o tempo
de prisão provisória mais do que suficiente para compensar eventual medida a
ser imposta ao acusado e extinguiu a punibilidade.
Segundo o
relator, não há como desprezar que o tempo considerado para a extinção da
punibilidade se deu no âmbito exclusivo da prisão preventiva. "É
inconcebível compreender, em nítida interpretação prejudicial ao réu, que o
tempo de prisão provisória seja o mesmo que o tempo de prisão no cumprimento de
pena, haja vista tratar-se de institutos absolutamente distintos em todos os
seus aspectos e objetivos", disse.
Na sua
avaliação, a decisão de extinção da punibilidade, na hipótese, aproxima-se
muito mais do exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva – como
reconhecimento, pelo Estado, da prática de coerção cautelar desproporcional no
curso do processo – do que do esgotamento do processo executivo pelo
cumprimento da pena.
Além disso,
Schietti ponderou que, se o paciente não houvesse ficado preso preventivamente
– prisão que, posteriormente, se mostrou ilegal, dada a impossibilidade de se
aplicar tal medida aos acusados da prática do crime de porte para consumo
próprio –, ele teria feito jus à transação penal, benefício que não configura
nem maus antecedentes nem reincidência. Por tais razões, o relator entendeu que
o único processo anterior existente em desfavor do réu não poderia ser
considerado para fins de reincidência.
Esta notícia
refere-se ao(s) processo(s):
EREsp 1916596
REsp 1771304
HC 664284
HC 453437
HC 390038
Fonte: STJ.
RODRIGO ROSA ADVOCACIA
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