Violação do direito ao silêncio e falta de provas levam Sexta Turma a absolver acusado - STJ:
Por avaliar que houve violação do
direito ao silêncio e uma série de injustiças decorrentes da origem social do
acusado, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um jovem
que foi condenado por tráfico de drogas apenas com base no depoimento de
policiais que fizeram a prisão em flagrante.
De acordo com o colegiado,
o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) adotou raciocínio
enviesado ao considerar como verdade incontestável a palavra dos policiais que
realizaram a abordagem, adotando, assim, interpretação que considerou mentirosa
a negativa do acusado em juízo. Essa postura teve seu ponto de partida no
silêncio do acusado na fase investigativa.
Na origem do caso, o jovem
foi preso em flagrante por policiais em atitude que revelaria suspeita de
prática de tráfico de drogas, mas o juízo de primeiro grau o absolveu sob o
argumento de que os testemunhos dos policiais não foram suficientes para
comprovar os fatos. Nem a droga, nem a balança de precisão estavam sob a posse
do réu.
A sentença foi revista
pelo TJSP, que decidiu condená-lo por entender que a negativa de autoria do
crime apresentada pelo réu em juízo seria estratégia da defesa. Nos termos
utilizados pela corte estadual, ele se valeu do direito constitucional ao
silêncio, "comportamento que, se por um lado não pode prejudicá-lo, por
outro permite afirmar que a simplória negativa é mera tentativa de se livrar da
condenação".
Corte estadual errou ao se
contentar com versão dos policiais
Segundo o relator do
recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, a manifestação do TJSP revela violação
direta ao artigo 186 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre o direito do
acusado de permanecer em silêncio sem que esse gesto seja interpretado de forma
prejudicial à defesa.
"A instância de
segundo grau erroneamente preencheu o silêncio do réu com palavras que ele pode
nunca ter enunciado, já que, do ponto de vista processual-probatório, tem-se
apenas o que os policiais afirmaram haver escutado, em modo informal, ainda no
local do fato", destacou o ministro.
Na avaliação de Schietti,
a corte paulista acreditou que o relato dos policiais corresponderia à
realidade ao apontar, por exemplo, que o recorrente confessou informalmente que
traficava.
Essa narrativa – explicou
o relator – consideraria como verdadeira uma situação implausível em que o
investigado teria oferecido àqueles policiais, sem qualquer embaraço, a verdade
dos fatos. "É ingenuidade supor que o tenha feito em cenário totalmente livre
da mais mínima injusta pressão", observou Schietti.
Caso promove reflexão
sobre injustiças epistêmicas
Schietti sublinhou ainda
que o réu é vítima de diversas injustiças epistêmicas – conceito desenvolvido
pela filósofa Miranda Fricker, segundo o qual indivíduos provenientes de grupos
vulnerabilizados são tratados como menos capazes de conhecimento.
Na mesma linha, continuou
o ministro, ocorre a injustiça epistêmica testemunhal, que se manifesta quando
um ouvinte reduz a credibilidade do relato de um falante por ter, contra ele,
ainda que de forma inconsciente, algum preconceito identitário, como ocorreu no
caso do réu, um jovem negro e pobre.
"O tribunal incorreu
em injustiças epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade
conferido ao testemunho dos policiais, seja pela injustiça epistêmica cometida
contra o réu, ao lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve
oportunidade de atuar como sujeito de direitos", afirmou Schietti.
Gravação de abordagem
daria respaldo probatório aos policiais
Em relação à validade dos
testemunhos dos policiais, o ministro ressaltou que eles poderiam ser
aproveitados como elementos informativos caso houvesse respaldo probatório além
do silêncio do investigado ou réu. Uma alternativa apontada por Schietti para
corroborar a palavra isolada dos agentes públicos seria a gravação de toda a
abordagem – recurso que permitiria saber, ao menos, como a confissão se deu.
"A
escassez probatória do presente caso impõe provimento desse recurso especial,
para absolver o recorrente da prática do crime", concluiu o relator.
Processo relacionado: REsp 2037491
Fonte: STJ.
RODRIGO ROSA ADVOCACIA
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